Gostaria de iniciar no presente artigo uma discussão a respeito da teoria por trás do aprendizado sistemático de idiomas como conjunto de princípios, técnicas e métodos práticos baseados na experiência. O objetivo almejado é clarificar e investigar em quais alicerces metodológicos pode se basear um adulto ou jovem, não necessariamente de desempenho intelectual destacado, para adquirir por vontade própria proficiência em um ou mais idiomas estrangeiros.
Antes de se debruçar sobre o estudo sério de qualquer tópico, é de suma importância que o interessado investigue qual é a forma apropriada de aprendê-lo, uma vez que cada ramo do saber humano se distingue dos demais tanto pelo seu domínio de estudo propriamente dito quanto pela sua forma de ver o mundo. Não há um método único e geral que possa ser usado indiscriminadamente. Em matemática, por exemplo, não basta ler uma explanação sobre um conceito: é necessário resolver diversos problemas que o envolvam para que se aprenda de fato. Nesse ponto, o estudo dos números e formas difere, digamos, das ciências sociais, onde a leitura é suficiente à compreensão de um tema. O aprendizado sistemático de segunda língua, por sua vez, requer o seu próprio conjunto de técnicas e conhecimentos. Um dos pontos que o distingue de grande parte dos outros tópicos é que não se ensina em escola alguma (nem nas escolas de idiomas) como se aprende uma língua. Mais do que isso, atingir a maestria de um segundo idioma requer uma abordagem multifacetada, uma vez que saber um idioma, na maioria das vezes, equivale a ter a capacidade de produzir e compreender enunciados em ambas as formas escrita e falada. Requer, pois, a realização de atividades de natureza dissimilar.
Por conhecer mal a natureza do processo adequado de aquisição de uma segunda língua, quase sempre aquele que aspira ao bilinguismo ou ao multilinguismo subestima a complexidade da tarefa, o que leva à frustração e à perda da força de vontade. Aprender uma nova língua é instalar um novo sistema operacional em sua mente: a quantidade de informações novas que se há de absorver é enorme. Imaginemos um falante nativo de português que conhece em torno de 20 mil palavras e que queira adquirir um nível razoavelmente alto de proficiência num novo idioma. Para isso, estimemos que ele deverá saber pelo menos metade do número de palavras que conhece na sua língua-mãe. Ora, este homem deverá aprender mais 10 mil palavras, e somando os dois idiomas, deverá saber 30 mil! É uma quantidade formidável. Ele não só conhecerá cada palavra, mas também em que contexto a utilizar, como pronunciá-la e como escrevê-la. Lembremos, ainda, que o vocabulário é só uma das partes constituintes da língua. Memorizar uma lista colossal de 10 mil palavras de nada adianta a quem não conhece as regras sintáticas que possibilitam juntá-las de diversas maneiras para produzir sentenças que exprimem significados. É muito comum ver vendedores de produtos relacionados a idiomas quererem convencer seus potenciais clientes de que tudo pode ser rápido, divertido e sem esforço. Porém, quem busca aprender uma língua estrangeira deve antes de qualquer outra coisa entender que este será um processo demorado, gradual e laborioso. Como a decisão de aprender um idioma traz mais frutos a longo e médio prazo que a curto prazo, é mister que a motivação seja verdadeira e não baseada num anseio momentâneo. Não há nada de errado, certamente, em estudar um idioma só um pouco por curiosidade, mas há uma diferença entre isso e se debruçar completamente nos estudos almejando compreensão profunda e plena capacidade comunicativa.
De fato, antes mesmo de pensar em como fazê-lo, o aspirante a multilíngue deve refletir se realmente quer aprender um outro idioma (ou outros idiomas), a que nível de proficiência quer chegar e em que escala temporal. Em suma, mostra-se benfazeja a definição prévia dos objetivos e o reconhecimento da própria motivação (ou ausência desta). Embora soe estranho, não é incomum ouvir de iniciantes perguntas tais quais “Quero aprender uma língua, mas não sei qual. Qual língua devo aprender?”. Ora, quem tem sede não pede conselho aos os outros de que bebida tomar. A escolha do idioma é algo totalmente pessoal e dificilmente pode ser inespecífica. Novamente, não há nada de errado em aprender somente algumas frases num idioma, ou almejar somente o básico. Pode até ser satisfatório explorar um idioma ou outro sem comprometimento, simplesmente pela curiosidade ou divertimento. Cada um possui seus objetivos linguísticos. Um viajante que não tem interesse ou tempo a dispor para um estudo mais profundo, por exemplo, cumprirá seu objetivo de ganhar a simpatia dos locais aprendendo nada mais que algumas frases básicas. Contudo, a estes que não almejam a proficiência elevada de nada adianta ponderar a respeito de tudo isso que está sendo discutido. Mas o que deseja se tornar capaz de compreender e produzir enunciados e discursos de média ou alta complexidade não deverá deixar de fazer o exercício da reflexão.
Eis a principal pergunta a ser feita: por que quero aprender essa língua? A vida humana é demasiado curta e toda escolha de fazer uma atividade implica que outras centenas serão deixadas de lado. A menos que alguma circunstância externa excruciante seja causadora dessa intenção, ninguém é obrigado ou tem o dever de aprender uma língua estrangeira. Só aqueles que têm um interesse franco devem embarcar nessa Odisseia. Aprender um novo idioma é uma jornada infindável, é um comprometimento que dura a vida toda. Não é possível simplesmente estudar um idioma e mantê-lo guardado num canto dentro da cabeça. As memórias que o sistema neurológico considera inúteis acabam eventualmente sendo descartadas, por isso a manutenção de um idioma é uma questão tão importante quanto a questão da sua aquisição. A prática e o estudo contínuo são a única forma de manter aquilo que já foi adquirido mediante esforço e atenção.
Para que isso seja factível, é claro, a motivação deve ser sólida. Alguns motivos adequados para aprender um idioma são o fascínio por uma cultura ou um aspecto dela, a conexão com antepassados e sua cultura, a intenção de trabalhar ou morar num país estrangeiro, o amor a um cônjuge, a leitura de obras literárias naquela língua, a diversão e desafio intelectual, a expansão dos horizontes e perspectivas, e o interesse profundo pela língua em si. Cada um deve encontrar um ou mais motivos sólidos como estes e refletir se estes justificam o investimento massivo de energia, tempo e atenção que é aprender um novo idioma. É perfeitamente natural, contudo, que a motivação oscile e até suma no decorrer dos estudos, principalmente se o idioma escolhido é um daqueles que requer esforço extra. A chave nesse caso é manter-se fiel ao objetivo de médio a longo prazo e reprimir sempre as tendências imediatistas.
Em segundo plano, vêm as considerações de nível almejado e escala temporal. Como referência em classificação de níveis de competência, utiliza-se amplamente o CEFR/CECRL, que estabelece uma divisão em seis níveis, além de descrever o que se espera em cada nível em termos das quatro habilidades linguísticas. Eis a classificação: A1 (iniciante), A2 (básico), B1 (intermediário), B2 (independente), C1 (proficiência eficaz), C2 (domínio pleno). Nota-se que nenhum dos níveis é denominado “fluência”, então o que viria a sê-la? O termo “fluência” não tem uma definição indiscutível, mas uma tentativa adequada de defini-lo seria: “ter a capacidade de estabelecer uma comunicação límpida e eficaz com falantes da língua e tomar parte em situações comunicativas relevantes semelhantes ou iguais às quais está sujeito um falante nativo, dispensando a necessidade de ‘se fazer passar por nativo’ ou de ‘falar perfeitamente’”. No contexto do CEFR/CECRL, equivale a um falante na camada superior do nível B2. Apesar da fluência “na fala” ser importante, devemos nos ater à fluência “na leitura” com igual senão maior força, uma vez que ao ler se progride simultâneamente nas outras três competências. Para ilustrar, tomemos dois estudantes de um idioma qualquer de modo que o primeiro leia muito e fale pouco e o segundo fale muito e leia pouco: é mais provável que o primeiro falará melhor do que o segundo lê. Por isso, o aprendizado de um segundo idioma se beneficia de uma abordagem oposta à aquisição do primeiro idioma da forma como ocorre com crianças, e esse ponto será retomado em breve.
Concomitante com a reflexão do nível a ser almejado, o aspirante a linguista deve também determinar quanto tempo disponibilizará ao estudo. Isso dependerá exclusivamente das circunstâncias do estudante, que deverá estabelecer suas prioridades e formar a sua própria hierarquia de atividades que o ocupam. Quanto mais alto o estudo dos idiomas estiver na hierarquia, mais tempo poderá concedê-lo. Uma ferramenta razoável para estimar quanto tempo levará para atingir um nível avançado num idioma é a relação do Foreign Service Institute, órgão estadunidense responsável pela formação de diplomatas. A tabela mostra quanto tempo de treinamento em língua um diplomata recebe até atingir o nível 3 na escala ILR, equivalente ao nível C1 na escala CECRL supracitada. Embora obviamente seja voltada para falantes nativos de inglês e superestime levemente o tempo necessário para atingir cada nível se o estudante já tiver experiência prévia com outros idiomas, a classificação permite obter uma estimativa grosseira dividindo o número de horas totais de instrução pelo número de horas diárias de estudo.
Categoria de dificuldade | Exemplos de idiomas |
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Categoria I: 600-750 horas de instrução (línguas similares ao inglês) | Espanhol, francês, holandês, norueguês, sueco, romeno, italiano, norueguês |
Categoria II: 900 horas de instrução | Alemão, indonésio, suaíle, malaio |
Categoria III: 1100 horas de instrução (línguas com diferenças culturais e linguísticas significativas em relação ao inglês) | Vietnamita, finlandês, búlgaro, hebraico, grego, húngaro, khmer, laosiano, bengalês, hindi, vietnamita, tagalo, mongol, checo, russo, tailandês |
Categoria IV: 2200 horas de instrução (línguas excepcionalmente difíceis para falantes de inglês) | Coreano, japonês, cantonês, mandarim, árabe |
Uma vez que o objetivo está estabelecido e se conhece a disponibilidade de tempo para os estudos, o aspirante a multilíngue está em condições de aprender os princípios, métodos e técnicas da aquisição eficiente e efetiva de uma segunda língua. Porém, antes de discutir princípios, é necessário clarificar que o que será dito tem mais valor para aqueles que almejam um conhecimento profundo e um domínio avançado dos idiomas estrangeiros que tem em mente. Àquele que mira baixo, pode não ser tão proveitoso adentrar de tal forma na discussão.
Enfim, se pudéssemos dizer que dentre os princípios há um que se sobressai, sem dúvida seria o seguinte: não há corta-caminhos no aprendizado de idiomas. Qualquer que seja o método de aprendizagem empregado, não existe nenhuma forma de se esquivar do fato de que são necessárias centenas senão milhares de horas de pura exposição ao idioma que se quer aprender, ambas em suas formas escritas e faladas. Quantidade (de exposição) é superior a qualidade, e embora haja de fato formas de tornar o estudo mais eficiente, a regra de Pareto (realizar ou assimilar o 80% mais importante em 20% do tempo) definitivamente não se aplica ao estudo de idiomas. A quantidade de informações necessárias para utilizar uma língua em alto nível de competência é colossal, e o cérebro humano simplesmente não tem a capacidade de assimilar tantas informações e ainda criar os caminhos neurais que possibilitam o resgate delas sem que haja um tempo de exposição considerável. Embora alguns poliglotas com décadas de experiência consigam sim aprender com extraordinária rapidez, os auto-relatos que muito se divulgam de indivíduos que aprenderam uma língua “fluentemente” em 3 meses são menos críveis do que contos da carochinha (e só servem para vender produtos de idiomas a desavisados).
É extremamente comum que iniciantes queiram de todo modo encontrar corta-caminhos, daí a imensa popularidade de aplicativos de celular de ensino de idiomas. A época contemporânea é marcada pela impaciência e almejo à eficiência máxima, e a realização de várias tarefas ao mesmo tempo, no inglês chamada de multi-tasking, é uma prática que ganha cada vez mais espaço. Infelizmente, essa é uma mentalidade que retarda o aprendizado de idiomas, pois a percepção e compreensão dos padrões que permeiam as línguas requer total concentração, de modo que se deve buscar a eliminação de todas as distrações. Aprender um outro idioma é sim uma das coisas mais gratificantes na vida, mas não é possível fazê-lo sem esforço, dedicação e resiliência.
Um segundo princípio que não pode deixar se ser mencionado é a primazia da leitura. Das quatro competências (leitura, escrita, compreensão auditiva e fala), a leitura é a que mais permite adquirir vocabulário e acostumar-se com as estruturas da língua. A compreensão auditiva tem um papel de suporte à leitura e juntas formam a “entrada”. Entrada é toda aquela informação que é consumida e processada pelo indivíduo e se opõe à “saída”: os enunciados por ele produzidos tanto na forma escrita quanto falada. É óbvio que para que algo possa sair deve antes entrar, ou seja, primeiro o vocabulário e as estruturas da língua devem ser aprendidos lendo e escutando, e num segundo momento utilizados em contextos de fala. Desse modo, a proporção de tempo de estudo entre entrada e saída deve favorecer a entrada. Especialmente nos primeiros estágios do aprendizado, quando o nível de conhecimento do idioma ainda é baixo, é contraproducente gastar muito tempo com fala. Não que o estudante esteja proibido de interagir com nativos no começo, mas neste momento deve-se preconizar a memorização do vocabulário básico, o aprendizado da fonética e a gramática básica da língua. Passando para os estágios intermediários torna-se mais proveitoso praticar a conversação, pois aí já é possível desenvolver conversas sobre tópicos relevantes (e que não impõem um fardo ao falante nativo do idioma). A leitura de textos com um conteúdo realmente interessante ao estudante também se torna possível nesse momento, e deve ser iniciada com auxílio do dicionário.
Como a grande maioria das pessoas não lê textos nem em sua própria língua nativa, proliferam-se popularizadores do aprendizado de idiomas que prometem uma abordagem com enfoque puramente na fala. Não é impossível aprender a falar um idioma sem leitura, afinal existem idiomas que nem possuem forma escrita ainda, mas este é um caminho bem mais demorado e requer vivência no local onde a língua é falada e muita interação com nativos. Além disso, a grande maioria das interações que se tem com falantes de uma língua se restringe a um número demasiado reduzido de tópicos. Por isso, o estudante que se baseia puramente na conversação para aprender fica deficiente em quesito de vocabulário. Simplesmente não é possível adquirir uma verve tão vasta quanto a de um falante razoavelmente culto da língua sem ler. Mesmo para aqueles que só tem pretensão de usar o idioma para se comunicar oralmente, ler é indispensável para um aprendizado completo e eficiente. Portanto, aqueles que não leem na sua própria língua e querem aprender um idioma estrangeiro a um nível avançado, na maioria dos casos devem de início ou concomitantemente desenvolver o hábito da leitura na sua própria língua.
Outro ponto importante é o estudo da gramática. Os idiomas são sistemas regulares que funcionam em grande parte segundo padrões previsíveis, de modo que até o que chamamos de verbos irregulares em muitas línguas indo-europeias seguem paradigmas comuns. A gramática nada mais é do que esse conjunto de regras de associações estruturais entre as palavras e, caso existam, suas formas flexionadas. Portanto, não é possível conhecer um idioma sem ter o conhecimento de sua gramática, seja consciente ou inconscientemente, conhecendo ou não a terminologia técnica e sua razão de ser. Existem certos conceitos basilares de gramática de cada idioma que são praticamente indispensáveis, como por exemplo: transitividade, sujeito, objeto, declinação, conjugação, aspecto, tempo, verbo, advérbio e substantivo. Quanto mais a língua que se deseja aprender difere da língua nativa do estudante, mas difícil se torna seu aprendizado sem o estudo focalizado da gramática. Nessa questão, novamente é recomendado que o estudante conheça ao menos o básico da gramática (e a terminologia) da própria língua antes de embarcar no estudo de um idioma estrangeiro, pois muitos desses conceitos são universais, e assim úteis na análise de qualquer idioma que seja. O estudo aprofundado da gramática é de fato muito interessante; por outro lado, um conhecimento altamente detalhado da linguística e da gramática do idioma também não se faz obrigatório. Por isso, é importante encontrar o equilíbrio na distribuição do tempo de estudo entre gramática, leitura, compreensão auditiva e fala. Especialmente se o idioma almejado for de uma família de idiomas diferente da língua nativa do estudante, a gramática deve-lhe ocupar uma parte significativa.
Num primeiro momento, a impressão que pode surgir é que o estudo de idiomas é uma atividade demasiado complicada e que é difícil demais administrá-lo só. Isso leva muitos a contratarem professores, não na crença de que com seu auxílio poderão obter determinados conhecimentos e praticar a conversação, mas esperando que tudo o que têm que aprender o professor ensinará. Mas com essa mentalidade dificilmente se conseguirá atingir a maestria num idioma: para que isso ocorra o estudante deverá tomar posse do seu processo de aprendizado. Na realidade, organizar os próprios estudos de idiomas e aprender a aprendê-los não é tão difícil assim. Técnicas e métodos certamente aumentam a eficiência de aprendizagem e tem sua importância, mas antes de tudo devem vir a definição dos objetivos e o reconhecimento dos princípios fundamentais.